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Eu sou uma putinha. Daquelas mais insuportáveis, da pior espécie. Com toda certeza gostarias que eu morresse; eu e todas as minhas iguais. Mas não se mata a galinha dos ovos de ouro. De forma que a minha espécie irá perdurar e proliferar.
Sou uma artista e a minha obra sou Eu. A minha aparência, o meu apartamento, o meu carro, o meu estilo de vida, a minha atitude assinalam o excepcional. Não faço nada igual aos outros, ou senão faço melhor.
Sou uma artista e a minha obra sou Eu. A minha aparência, o meu apartamento, o meu carro, o meu estilo de vida, a minha atitude assinalam o excepcional. Não faço nada igual aos outros, ou senão faço melhor.
Sou quase feliz. Ao que parece, tenho tudo: sou jovem, bonita, rica; populações inteiras devem sonhar em ser eu. Ou quase. Sou jovem, bonita, rica e lúcida. E este é o detalhe que põe tudo a perder.
A minha óptica? Chatear o mundo, tu inclusive.
Para mim, chatear o mundo é a solução, a panaceia contra o tédio. Possuo duas armas infalíveis para exercer minha arte. A primeira é a minha inquestionável superioridade física, intelectual, financeira e social, que causa a morte súbita do meu adversário e me torna invulnerável a qualquer tipo de ataque; a segunda é que me estou pouco lixando para tudo e não tenho vergonha de nada.
Achas isto pueril? Tenho minhas razões.
Eu chateio o mundo porque o odeio. Eu odeio-o por não ser o que eu gostaria que fosse.
Sou uma idealista, prezo os valores obsoletos: a coragem, a abnegação, a glória. A minha vida é uma busca por objectivos que não mais existem. Os meus antepassados eram heróis, eu não passo de uma filhinha do papá. Rebelde sem causa, vou morrer num acidente de Porsche ou numa overdose, quando o que eu queria era morrer em combate.
Mas combater o quê? Num mundo onde Deus é a ascensão social e ninguém se salva, excepto nos filmes.
Procuro em vão em cada rosto um brilho de poesia, um entusiasmo num confronto de ideais, ou pelo menos ideias, mas as pessoas passam ao lado, apressadas, mal vestidas, de os olhos esvaziados por preocupações.
Não posso fazer nada por elas. Não posso fazer nada por ninguém.
Sou o símbolo manifesto da persistência do esquema marxista, a encarnação dos privilégios, os eflúvios inebriantes do Capitalismo. Sou o mais belo produto da geração Think Pink, meu credo: seja bela e consumista.
Mergulhada na loucura policefálica das tentações ostentatórias, sou a musa da deusa Aparência, em cujo altar sacrifico alegremente todos os meses o equivalente ao que recebes como salário. Pertenço a uma única comunidade, a mui cosmopolita e controversa tribo Gucci Prada – a marca é o meu distintivo.
Vocês sabem de uma coisa? O mundo está dividido em dois: nós e vocês. Isto é enigmático, tenho de concordar...
Vou-me explicar.
Vocês têm família, emprego, carro, um apartamento que falta acabar de pagar. Engarrafamentos, trabalhar, dormir, com sorte; é só isso que sobrou para vocês.
A coisa podia ser pior. Podias ser um morador de rua. Podias também ser um de nós...
Mas quem somos nós?
Somos simplesmente os herdeiros dos Domini da Roma antiga, dos senhores da Idade Média, da fidalguia do Renascimento, dos barões da indústria do século XIX, uma fracção ínfima de privilegiados que são donos nos seus refúgios onde brilham as jóias de Cartier, de 50% do património francês.
O peso da injustiça do mundo sustém-se nos nossos ombros de alfenim de ex-crianças delicadas. Vocês... vocês são as vítimas disto tudo, mas não vos podemos censurar por isso.
O que quer que façamos, é sempre uma vergonha.
É verdade, nós entornamos o conteúdo de Magnums de grandes safras datadas goela adentro nas praias de Pampelonne. E daí? Não são vocês que pagam a conta!
Vocês dariam qualquer coisa para estar no nosso lugar.
Isso faz-vos mal.
É com um ódio ressentido que vocês largam as vossas reprovações sobre o nosso comportamento. Querem que fiquemos com a consciência pesada por estourar uma quantia que vocês nunca terão. Deram-se mal.
Eu gostaria de avisar, mesmo assim, que nós pagamos impostos; que, dos 12 meses de esforços extenuantes nos quais temos que dar ordens aos outros, nunca veremos a cor da renda de seis; da qual o Estado nos despoja para que as vossas crianças possam ir à escola. Deixem-nos, então, em paz.
Não vim escrever sobre a existência de gente pobre e feia: em primeiro lugar, não sei nada a respeito, em segundo, não é dos temas mais divertidos.
A propriedade é a origem da desigualdade entre os homens. Não me queixo disso.